sábado, maio 10, 2014

25 de Abril + Festival da Canção + Eurovisão

A Cantiga Era uma Arma, de Joaquim Vieira, serve de salutar contra-exemplo à invasão televisiva de banalidades "revolucionárias" que os 40 anos do 25 de Abril nos impuseram — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV" do Diário de Notícias (9 Maio), com o título 'O desastre da Europa'.

Afinal, é possível falar das memórias do 25 de Abril sem maniqueísmos estúpidos, mostrando respeito pela complexidade de pessoas e factos. Uma excepção que importa registar foi A Cantiga Era uma Arma (RTP2), de Joaquim Vieira, propondo, através de entrevistas e imagens de arquivo, uma história das cantigas e dos cantores nos tempos convulsivos do chamado PREC.


Não é todos os dias que a televisão, mesmo através de um dispositivo tradicional, consegue produzir esse efeito vital que consiste em lembrar/dizer/mostrar que todas as histórias — incluindo as das canções — são feitas, não como um spot publicitário, mas através de seres humanos e respectivas relações, numa tensão permanente entre destinos individuais e movimentos colectivos.
Registo, em particular, o momento em que Fernando Tordo revisitou as memórias da sua Tourada (1973), composta com Ary dos Santos. Reagindo contra os preconceitos que levaram à sua menorização como uma canção “comercial”, sublinhou a importância muito real do Festival da Canção da RTP nessa época — e também o facto de não ser possível fazer a história da canção portuguesa do séc. XX sem ter em conta uma série de edições emblemáticas desse certame.


Registo tais palavras também porque, por estes dias, com a transmissão das eliminatórias do Festival da Eurovisão 2014, em Copenhaga (RTP1), pudemos observar o desastre colossal a que chegou o seu conceito. No plano específico do espectáculo, triunfou o novo-riquismo do barulho das luzes — literalmente. Para além da deprimente indigência musical, pudemos observar a esmagadora maioria dos intérpretes, da Letónia à Rússia, a cantar em inglês (Portugal, quand même, foi uma das excepções), como se tal obscenidade “ecuménica” configurasse uma espantosa ideia de unidade europeia.
Não desesperemos. Um dia destes, iremos deparar com alguns senhores, reunidos algures em pomposo debate perante as câmaras, a discutir o sexo dos anjos e, a propósito, a fragilidade das estruturas culturais da Europa... Pois.